Foi
quando ele se determinou, sentou na cadeira em frente ao computador
já ultrapassado e começou a escrever as primeiras palavras. Ele
nunca se aprova, nunca. Falta enredo, falta início, falta meio,
falta fim. Falta. Às vezes falta ele mesmo. Inspiração falta
sempre. Falta alma, fala tão convicto da inescapabilidade do
fracasso do homem mas não se conforma em ser assim tão fracassado.
Ele tenta se salvar, todos os dias: pensa muito, monta esquemas,
nasce, renasce, ressucita e se reinventa, constrói e destrói vidas
em 40 minutos dentro de um coletivo qualquer mas nada se concretiza.
Talvez ele mesmo não seja concreto, talvez seja apenas uma
imaginação de si mesmo, o ser concreto de uma coisa pensante.
Lá
fora venta de leve. O céu róseo da noite escura, as núvens
poluídas tão claras ao escurecer, chega acompanhado dos ecos do
ensaio da escola de samba. Essa batucada nem devia ser chamada samba!
É preconceituoso, metódico, chato. Quem não é?
Ele
escreve, escreve na tentativa inútil de arrancar o coração e
lançar ao monitor, como se colocar o coração sobre o teclado
fizesse com que o livro ou o conto ou o verso se construíssem
automaticamente. E ele diz que não quer ser máquina. Rá! Quanta
bobagem.
Levantou,
acendeu o cachimbo, colocou a cerveja na taça. Eram 3 da tarde e ele
jurava que dalí viria a inspiração que lhe faltava. Mas não. Fez
café: que cheiro delicioso!, mas não. Sabe, nessas horas tudo o que
é externo se manifesta tão imaterial, chamaria de idéia, mas isso
não tem tanto valor assim, digo, o que é externo.
Idéia
é o que se precisa, idéia é o que não se tem. É tanto esforço
necessário que a preguiça vence e amanhã o dia acordará em
remorso. Talvez sua frase mais desconexa fosse se tornar célebre,
espera que antes da morte. Mas ele vive assim mesmo, na esperança de
ser convidado a ganhar dinheiro publicando semanalmente numa revista
cultzinha. Era como o João Ninguém, metade burguês e metade
comunista, defensor do orgulho suburbano e amante do estilo zona sul
de ser. Fala de si tão cansado de falar de si e acaba escrevendo de
si. Justifica: “Só posso falar de mim, é só o que eu sei”.
Coitado.
“Viver é esforço, amigo, paciência! Dói assim mesmo, deve-se construir.” Cospe sua doutrina todos os dias, invariavelmente. E vai vivendo pela lei tentando se fazer melhor. Puro paradoxo ou só contradição mesmo? Tem quase certeza de que vai morrer sem saber.
“Viver é esforço, amigo, paciência! Dói assim mesmo, deve-se construir.” Cospe sua doutrina todos os dias, invariavelmente. E vai vivendo pela lei tentando se fazer melhor. Puro paradoxo ou só contradição mesmo? Tem quase certeza de que vai morrer sem saber.
Sim,
era sobre o texto. Texto pede leitura, que pede escrita, que pede
leitura, que pede desejo, que pede prazer, que pede satisfação, que
pede leitura. Mente circular, às vezes nem sabe o que está falando
mais. Será assim tão difícil se encontrar? E ele culpa seu anseio
pela Eternidade. Será que ela chora?
Já
amou uma vez, ou duas, ou três, ou nunca, não sabe, pensa que não
se pode saber esse tipo de coisa. Como explico mesmo essa metafísica?
O homem é pequeno demais, fé em criatura tão fragilzinha é pros
tolos. Mas seu Deus ele não sabe expressar pra ninguém. Mas não
era um parágrafo de amor? Ah, mas ele não sabe também.
Queria
compor como Chico, tocar como Mingus, escrever como Clarice, sempre
quis ser um gênio.
“Mas quantos deuses cabem mesmo dentro de
você?”
Domingo. É o fim. Não gosta de finais, sabe? Mórbidos, pressupõem o fim da
eternidade, amanhã o mundo roda de novo e os seus sonhos só poderão
se realizar na semana que vem. De segunda a sexta é máquina, só é
gente aos fins de semana. Na sexta é a transição: é bom sentir-se
novamente.
Já
quis escrever uma carta de amor pra sua ex. De amor incondicional,
amigo, cristão. Só queria ser entendido por ela, e por todos,
óbvio.
Memórias
transitam pelo corpo inteiro, tendem a se reunir no coração, área
de lazer dos funcionários. Vai todo mundo pra lá. Às vezes sufoca,
quase não cabe.
Quis
escrever um poema e finalizar assim:
Miserável
homem que sou, quem me livrará deste corpo de morte?
E
dessa mente, quem me pode livrar?
Sou
inimigo de mim, carrasco do meu próprio eu.
Sabe,
já amei um dia ou dois ou três.
Quem disse que naquele momento só
o que houve não foi amor?
Desistiu,
não queria desse jeito. Foram 5 minutos ou 5 mil anos? Não importa,
as folhas ainda estão em branco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário