domingo, 30 de junho de 2013

Nota


O resto de café no fundo da caneca minutos ou horas depois de acordado, fervido, coado e cheirado. Aquilo que já me foi blasfêmia hoje se faz poesia. 

domingo, 23 de junho de 2013

Devaneio Cotidiano

O som é Marvin Gaye. Rio de Janeiro, 23 de Junho de 2013. Ano de expectativas particulares e universais, primeira semana após a explosão de manifestações que despertou o povo brasileiro inteiro pra sua participação na política nacional. Uma vitória, inúmeras divisões e a esperança dos coerentes de que um ponto comum e saudável seja alcançado e todos marchem por ele até o fim. Particularmente, penso sobre amores, trabalho, dores, prazeres, Europa. No fim das contas resta o questionamento de se, bem no fundo, não é só sobre isso que pensam todas as pessoas do mundo.
Rio de Janeiro, 20º? Tá por aí. Dia nublado raro, dois dias depois do início do inverno. De uns tempos pra cá espera-se sempre um verão cada vez mais quente e um inverno cada vez mais frio. Quais as possibilidades de nevar no Cristo Redentor? Ia ser uma visão bacana. Mas isso é devaneio de quem tem o privilégio de morar pra além do Centro. Aqui, espero a neve sobre os barracos do Complexo do Alemão, o contraste com o teleférico do conjunto de favelas, a reclamação sobre a falta de agasalhos pra esse frio no ônibus lotado em meio ao trânsito parado no viaduto de Benfica. Fica sempre a dúvida se as pessoas ignoram a beleza do cotidiano em que vivem ou se elas estão tão inseridas nele que são, elas mesmas, a própria beleza de tudo.
Domingo, dia Cristão do Senhor. Admiradores do Papa a essa hora já almoçam com suas famílias, pastores correm pra casa a fim de chegar a tempo ao culto da noite e os padres, bem, dos padres eu não sei o que dizer, só que às vezes gosto muito mais deles. Será que Cristo via os dias em cores diferentes? “Ah, segunda-feira é dia de trabalho árduo. Terça-feira é dia de Jejum, à noite tem reunião de oração na casa do Levi, quem não for vai perder a benção! Ó, nem sai da cama no Sábado pra não pecar contra O Senhor, hein, Pedro! Aí pessoal, Domingo tô ressucitando, te espero lá! #PartiuInferno” Quase tão difícil de imaginar quanto ver o mesmo cara que diz ter jugo suave e fardo leve quebrando mesas e jogando mercadorias pelo chão do Templo. Ora, um cara que faz colheita pra matar a fome num Sábado judeu não profana a santidade do dia, mas expande essa santidade pra todos os outros dias e todas as demais obras. Mas isso é devaneio sem fim, melhor guardar o pensamento pra não confundir ninguém.
Hoje escrevi no facebook sobre impossibilidade de falar do Evangelho prum cachorro. Agora imagina a cena: você sentado no chão, no meio da rua, com folhetos evangelísticos na mão falando da cruz pra um vira-latas preto, com a língua pra fora. Mas sabe, no fim das contas nada disso vale a pena discutir. Peco contra minha própria convicção quando me presto a discutir sobre isso em vez de ignorar e continuar vivendo.

 Temas no pensamento voam como palavras aladas. Devanear deitar na grama no fim da tarde e olhar as nuvens, acompanhar o devir das formas, imaginar as possibilidades e deixar tudo se desfazer com as gaivotas que migram pra qualquer lugar. Devanear é admirar a beleza do caos dentro de si, é ver solto e desordenado tudo aquilo que nos compõe de verdade. Devanear é se deixar conhecer por si mesmo, é o infinito que só a gente mesmo pode ver e só compreende quando a finitude exterior permanece em seu lugar de origem. Devaneio é auto conhecimento, é liberdade interior que de nada depende para se afirmar, sem ponto de apoio em que se sustentar. Devaneio é instante de liberdade. Quantas vezes fomos livres hoje?